O Príncipe Negro em seu contexto religioso
 |
Príncipe Custódio |
O interesse deste tema para os estudos históricos é
compreender que por mais importante que possa parecer à liderança no meio
religioso africanista, a influencia direta de José Joaquim Custódio de Almeida
deve ser observado em seu próprio segmento religioso dentro do culto
Afro-Brasileiro. Para demonstrar isso, faremos um relato das diferentes
vertentes religiosas do Batuque e concluiremos com o que se sabe a respeito da
presença de José Custódio Joaquim de Almeida “o príncipe negro” no meio
cultural e político rio-grandense.
Segundo Avancini, no momento da chegada dos europeus a
África, não havia para os africanos uma separação entre sagrado e profano tudo
era sagrado, os deuses e os homens dialogavam e os ancestrais mortos
divinizados orientavam a caminhada dos vivos pela vida.
Para o africano, um Babalorixá não é apenas um líder
religioso, ele é o elo com seus ancestrais e daí a importância de se falar e
diferenciar as vertentes religiosas do culto afro-brasileiro, ao se referir a
um líder religioso do meio africanista.
O artigo “Práticas Aristocráticas e Lazeres Burgueses de um
“Príncipe Negro” na Republica Velha” de Sílvio Marcus de Souza Correa fala em
praticas religiosas africanas, mas não nomeia essas pratica, o que dificulta o
conhecimento sobre o culto africanista e, consequentemente, sobre a importância
do mesmo na comunidade negra. O autor deixa de observar as minúcias das
diferentes correntes, e suas relações umas com as outras e ainda ao que parece
não se da conta que essa falta de conhecimento pode ter contribuído em muito
para a ocorrência de algumas das lacunas em sua trajetória biográfica. Cito-o:
(...) Ao contrário de certas figuras de libertos, a excentricidade
de Custodio não tinha a ver com um jeito cômico ou de falar, mas com seu
habitatus um tanto bizarro no qual práticas aristocráticas, lazeres burgueses e
tradições religiosas africanas se imiscuíam. Líder religioso da comunidade
Afro-brasileira em Porto Alegre, a sua trajetória biográfica tem muitas lacunas
(...). (Correa: 2009, s/p).
Ao se citar um padre ou um pastor, não se fala em um
líder religioso de um culto cristão ou em praticas cristãs, pelo contrario, se
usa seu titulo sacerdotal e se cita seu segmento religioso, por isso me parece
desrespeitoso falar do Príncipe Negro apenas como um líder religioso de um
culto africano sem utilizar seu titulo sacerdotal e seu segmento religioso, no
caso em questão ao que parece, Babalorixá da Nação Jêje.
Observamos também que ao citar Custódio de Almeida
raramente é lembrada sua vertente religiosa, “o Jêje”. A maioria dos
autores pesquisados, não citam a vertente religiosa do Príncipe Negro não
sabemos se por ignorância, por não ver o valor da diferenciação destas
vertentes ou se por uma tendência que se observa na maior parte da sociedade em
generalizar os cultos afros como se fossem todos iguais.
Não podemos deixar de observar a advertência de
Hampaté Bâ citada por Avancini no artigo O sagrado na tradição africana
e os cultos afro-brasileiros “(...), é preciso considerar que não
existe uma África, um homem africano, e que não há uma tradição válida para
todas as regiões e etnias (...)”. (Avancini: 2008, 135).
No artigo Pós-modernidade e cultura negra, Roberto
dos Santos cita David Morley (1998), “é preciso pensar a história como campo de
oferta de contextualizações que atuam na constituição de visões e tempos”. O
que pode servir para demonstrar a importância em se observar de forma mais
atenta a Nação Jêje vertente religiosa de Custódio de Almeida segundo Oro, na
contextualização de sua história, já que sua religião era não somente parte de
sua vida, mas o elo que o mantinha ligado à África e aglutinava a comunidade
negra local em torno de si.
Matory diz a respeito do Jêje que a origem do termo é bastante
problemática e que uma das possibilidades é que seja uma construção
linguística, ocorrida no caminho entre África e Brasil. Não podemos deixar de
lembrar que, segundo Ari Oro, o representante mais famoso do Jêje foi o
“príncipe negro”. Por essa menção observa-se a importância em demonstrar a
vertente religiosa de Custódio de Almeida que segundo Oro seria o Jêje.
No Jêje, como em qualquer Nação, um Babalorixá,
é como um rei ou um pai que deve ser respeitado e obedecido, enquanto que para
as outras nações este individuo pode no maximo ser um individuo de renome,
tendo apenas certa influencia sobre os demais.
No Rio Grande do Sul se fala em Batuque, termo genérico para
designar a religião afro-brasileira que se divide em “lados” ou “nações”.
Normalmente são cultuados doze Orixás: Bará, Ogum, Iansã, Xangó, Odé, Otim,
Obá, Ossain, Xapanã, Oxum, Yemanja e Oxalá.
Ari Oro em seu artigo Religiões Afro-brasileiro
do Rio Grande do Sul: Passado e Presente descreve muito bem as
principais nações presentes no Rio Grande do Sul, que são Oyó, Ijexá, Jêje,
Cabinda e o Nagô, que se encontra praticamente extinto no Estado, restando
poucas casas que realizam seu culto.
No dizer de Pernambuco Nogueira, o Nagô. [...]
“é uma nação que, tendo sido a origem do Culto no Rio Grande do Sul, hoje está
praticamente extinta, restando pouquíssimas casas” (Oro pag. 353 a 355).
Segundo se sabe, Oyó está quase extinta na
atualidade, sendo que a maioria dos centros religiosos de Oyó de hoje o são
apenas de nome por conta da tradição, sendo que sua ritualística se encontra
mesclada com outras Nações, a principal o Ijexá, que por possuir uma
ritualística mais simples foi adotada pela maioria. Cito-o:
(...) OYÓ. Segundo a tradição local, esta nação chegou a
Porto Alegre vindo da cidade de Rio Grande. Foi cultuada no Areal da Baronesa e
dali no Mont Serrat onde se situaram as principais casas deste culto. (Bastide,
1959, 238)
Segundo Ari Oro, Ijexá é o que predomina no
Estado atualmente, sendo seus dogmas utilizados pelas demais “Nações”, é
extremamente raro encontrar um terreiro de Nação de culto puro.
IJEXÁ. Trata-se da nação predominante hoje
no estado. Os deuses invocados são os orixás e a língua ritualística é o
iorubá.
Segundo um depoimento colhido por Norton Correa
junto ao já falecido tamboreiro Donga de Yemanjá, o Ijexá predominava nas
regiões negras de Porto Alegre como o Mont Serrat e Colônia Africana (Correa,
1998 a: 76).
Nota-se que o Keto esteve historicamente
ausente no RS, vindo somente nos últimos anos a se integrar por meio do
Candomblé.
Vale lembrar aqui daquele que pode ser
considerado um príncipe do culto afro nos dias atuais, o Pai João Cleon Melo
Fonseca de Oxalá, da Nação Cabinda, personagem muito conhecido e respeitado por
todas as vertentes religiosas africanistas atuais, no entanto sua influencia
direta limita-se a seu próprio grupo ou Nação. “Cabinda é uma nação Banto,
originalmente de fala Kimbundo”. (Ferreira, 1994:59).
O presente trabalho aponta o que é demonstrado
na literatura das diferentes vertentes religiosas do culto afro-brasileiro,
visto que a intenção é apenas dizer que existem diferenças entre estas
vertentes, no entanto como o foco do presente trabalho é o Príncipe Negro, não
nos aprofundaremos na descrição dos dogmas e praticas das diferentes religiões
afro-brasileiras.
Segundo Silva, Custódio Joaquim era forte,
extrovertido, tinha 1,83m era fluente em inglês e Frances, mas, curiosamente,
nunca chegou a falar um português perfeito.
A maior parte do tempo vestia-se de preto, de
acordo com a moda europeia, porem em ocasiões especiais usava trajes africanos
ou uma mistura dos dois tipos de trajes, sempre ostentando uma condecoração
britânica.
Segundo se sabe, por meio de noticias impressas
nas primeiras décadas do século XX, ele teria deixado sua terra natal em 1862
quando tinha 31 anos de idade, conhecido pelos africanos de Porto Alegre como
príncipe de Ajudá, embora não se saiba se tinha realmente ligação com essa cidade,
o titulo pode ter lhe sido dado por ter embarcado no porto dessa cidade. No
entanto vale lembrar o que diz Nina Rodrigues a respeito do Jêje, vertente
religiosa de Custódio de Almeida “[...] Entre os Jêje ou Ewe, pelo menos no
Daomé e Porto Seguro, o rei é considerado o chefe dos sacerdotes [...]”
(Rodrigues, 2008: 213).
Pode ser também que ele fosse líder de uma
comunidade de imigrantes de Ajudá numa terra próxima, como as que existiam
semi-independentes em quatro bairros de Badagry, uma delas comandadas pelo
Jengem, chefe tribal local.
Sabe-se que por essa época, segundo AJAYI,
J.F.Ade (Edit.). História geral da África volume VII de que o
Delta do Benin se encontrava em disputa entre França e Inglaterra, o que
poderia explicar seu conhecimento em ambas as línguas, a condecoração e o
estipêndio que alegava receber da coroa britânica.
O príncipe negro só chegou ao porto de Rio
Grande dois anos após haver saído da África Ocidental. Custódio Joaquim viveu
na cidade de Rio Grande durante vários anos, mudou-se depois para Bagé, nelas
fundou centros para pratica da religião africana (Jêje segundo Oro). Aqui
observamos uma controvérsia, pois segundo Ari Oro o Orixá de Custódio era
Xapanã, enquanto que para Silva e Jung, era Ogum.
Podemos imaginar que a confusão possa ter
ocorrido por que nos cultos Afro-brasileiros os Orixás são sincretizados com
santos católicos e provavelmente os autores em questão não se deram conta que
os Orixás para os seus fieis são deuses e como tal certos Deuses são mais
cultuados do que outros o mesmo ocorre com os santos católicos.
São Jorge sempre foi um santo muito popular
entre católicos e o mesmo era sincretizado com Ogum, o que explicaria o porquê
das homenagens a esse Orixá serem mais concorridas que, as de Xapanã orixá
sincretizado com São Lazaro, santo católico com popularidade muito inferior a
São Jorge.
Em 1901, Custódio Joaquim instalou-se em Porto
Alegre, adquiriu uma casa na Rua Lopo Gonçalves, numero 496. Nessa mansão,
moraram com suas cinco filhas e três filhos, não se encontrando na imprensa da
época referencia alguma a sua mulher ou as suas mulheres no dizer de Silva.
Já segundo Oro, Custódio Joaquim nunca se
casara vivendo em situação de poligamia, no entanto, Nunes da Silva fala de uma
companheira Serafina Moraes Ferreira que era mãe de seus filhos Araci (?),
Domingos Conceição Almeida (1911-1988), Pulcheira (1912-?), e Joaquina
(1918-?)¹.
O bairro era habitado principalmente por imigrantes italianos e seus descendentes, no entanto pouco a pouco velhos africanos e negros
brasileiros começaram a estabelecer-se em volta da casa do príncipe, segundo
Silva, provavelmente para ficar perto daquele que consideravam seu líder. Nos,
no entanto cremos que isso possa ter ocorrido por conta do fato de Custódio
Joaquim ser um sacerdote de um culto Afro, (Jêje segundo Oro) e a relação entre
o pai de santo e seus filhos é extremamente paternalista.
Custódio mantinha atrás de casa uma coudelaria
para cavalos de corrida, segundo silva seu conhecimento a respeito da criação
de cavalos pode ser uma indicação de que o príncipe não era originário do
litoral africano, já que nesta área eles eram praticamente inexistentes devido
à mosca tsé-tsé, no entanto devemos lembrar que Custódio viveu 37 anos numa
região famosa por seu amor a cavalos e pela sua criação, e ele poderia ter
adquirido os gostos e habilidades de um rio-grandense já no Brasil.
Nessa época só as pessoas de muitas posses
possuíam veículos e Custódio Joaquim era uma dessas pessoas, ele possuiu um
Landô inicialmente e mais tarde um Chevrolet. Ele possuía também uma segunda
casa no litoral, na praia de Cidreira e nela passava o verão rodeado de
convidados.
Ainda segundo Silva todos os anos, por ocasião
de seu aniversário o príncipe dava uma grande festa que duravam três dias, a
moda africana, Borges de Medeiros, comparecia sempre
as comemorações. Após a abolição da escravatura
homens como Custódio passaram a ter muita importância devido a seu valor
eleitoral.
O príncipe negro aplicou seu prestigio e
riqueza para melhorar as condições dos africanos e de sua comunidade, num
estado onde existia forte discriminação contra os negros, graças a sua
personalidade exuberante e carismática e, talvez, também pelo fato que se
apresentava como membro da aristocracia, ele não foi simplesmente aceito, mas
sim, apreciado e até mesmo admirado pela sociedade dos brancos.
Ninguém sabia a origem de sua riqueza, pois não
possuía nenhuma ocupação visível a não ser a de medicar com ervas e de exercer
liderança inquestionável em sua comunidade. É possível que ele recebesse como
alegava um substancial estipêndio do governo britânico, mas não sabemos a
quantia e nem por que essa quantia lhe era devida nem de que forma lhe era
paga.
O príncipe morreu no dia 28 de maio de 1935,
supostamente com mais de cem anos de idade, teve um funeral de acordo com as
tradições da África Ocidental. Para estupefação de seus amigos católicos e
brancos, a festa do enterro durou vários dias, musica dança e banquetes.
O espanto da época por conta do tipo de funeral
não deve nos impressionar, pois apesar do tempo decorrido de sua morte e do
desenvolvimento cultural de nossa sociedade nesta pesquisa observamos que mesmo
nos dias de hoje ainda se mantém uma serie de preconceitos no que se refere à
cultura afro-brasileira e sua diversidade.
¹o autor não define a data dos falecimentos nem explica os
motivos
MATOS,
Adelcio Daitx; acadêmico de história Campus ULBRA- Torres, RS.
Bibliografia:
AJAYI, J.F.Ade (Edit.). História geral da África VI:
África do século XIX à década de 1880Brasília : UNESCO, 2010.
CORREA, Sílvio Marcos de Souza. Práticas
Aristocráticas e Lazeres Burgueses de um “Príncipe Negro” na Republica Velha.
4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba, 2009.
FERREIRA, Paulo Tadeu Barbosa; Os fundamentos religiosos
da nação dos orixás. 2ª Ed, Revisada e ampliada. Porto Alegre: Toquí,
1994.
GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O
livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LUZ, Marco Aurélio. Cultura negra em tempos
pós-modernos. 2ª Ed.-Salvador: EDUFBA, 2002.
RODRIGUES, Raymundo Nina. Os africanos no Brasil.
São Paulo: Madras, 2008.
ORO, Ari. Religiões Afro-Brasileiras do Rio Grande do
Sul: Passado e Presente. Revista Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 2,
2002, pag. 345-384.
SANTOS, Roberto. Pós-modernidade, história e
representação: cultura negra e identidade. Mouseion, vol. 3, n. 5,
Janeiro-Julho/2009.
SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: A
África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed
UFRJ, 2003.
SILVA, Gilberto Ferreira Da. SANTOS, José Antônio dos.
CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Negro. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2008.
SILVA, Maria Elena Nunes Da. O Príncipe Custódio e a
Religião Afro-Gaúcha, 1999. Dissertação de mestrado em Antropologia
apresentada na Universidade Federal de Pernambuco.